segunda-feira, 30 de março de 2009

Diário de Hamburgo de Guimarães Rosa pode não ser publicado por uma briga entre filha e madrasta



"A mulher mais importante da vida de Guimarães Rosa foi minha mãe, que lhe deu duas filhas".

A relação entre a família de Aracy Guimarães Rosa (na foto ao lado), a grande companheira do escritor, e as duas filhas do primeiro casamento é turbulenta. Um dos principais pontos de discórdia é a publicação do diário que João Guimarães Rosa escreveu, entre 1938 e 1942, quando era cônsul-adjunto em Hamburgo, na Alemanha. A família de Aracy gostaria de vê-lo publicado. As filhas, até hoje, barraram o projeto. No centenário de ambos - Aracy e Rosa - ciúmes, vaidades e velhos ressentimentos ganham contornos de um romance que Rosa jamais escreveria.

Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa foi funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo e salvou dezenas de judeus na Segunda Guerra Mundial. Ela faz 100 anos no domingo 20 de abril. Em 1982, Aracy recebeu o título de “Justa entre as Nações”, conferido pelo Museu do Holocausto, em Jerusalém, a não-judeus que ajudaram judeus a escapar do nazismo.
No diário de Hamburgo, Rosa narra sua indignação com as atrocidades cotidianas cometidas contra os judeus. É discreto, porém, nas referências a Aracy.
Vilma Guimarães Rosa disse a revista ÉPOCA que não havia publicado o diário em respeito ao desejo do pai. “Primeiro, não é um diário. São duas cadernetas com anotações. Eu perguntei ao meu pai por que não publicava e ele disse que não queria a publicação”, afirma. “Hoje, penso que talvez meu pai mudasse de idéia, se estivesse vivo. Então, pretendo publicar o diário, se minha irmã concordar. Se eu decidir, sei que ela vai concordar. Mas não há data prevista.” Vilma é autora de Relembramentos - João Guimarães Rosa, meu pai (Nova Fronteira).
Às vésperas de completar um século de vida, Aracy já não pode dar sua versão dos fatos. Ela sofre de Alzheimer. Teve um único filho, do primeiro casamento. Quando conheceu Rosa, na Alemanha, era desquitada. Sua família afirma que a própria Aracy emprestou o diário a Vilma - e que nunca foi devolvido. “A Vilma pediu a minha avó, depois que Joãozinho (Guimarães Rosa) morreu, e minha avó emprestou. Quando pedimos a Vilma a devolução dos originais, ela disse que estava com sua irmã, Agnes. Os originais nunca mais apareceram”, afirma Eduardo Tess Filho, neto de Aracy. Vilma contesta a informação. “Meu pai me deu as cadernetas no meu aniversário de 1967, na casa de Chiquita Marcondes, que, como diz minha irmã, foi seu amor de outono”, afirma.
Pelo menos uma cópia do diário é conhecida. As versões sobre sua origem também divergem. Segundo Eduardo Tess Filho, antes de emprestar o diário a Vilma, Aracy deu as cadernetas aos proprietários da Xerox do Brasil para que fizessem cópias. Isso teria sido em 1973 - seis anos depois da data em que Vilma afirma ter sido presenteada com as cadernetas. Uma das cópias está na Universidade Federal de Minas Gerais. Trechos do diário foram publicados pela revista Bravo!, na edição de fevereiro deste ano.

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